Daí eu pego o ônibus para a
faculdade propositalmente mais cedo. e tenho aqueles insights que só acontecem
lá dentro, a rotina se transformou em ritual. Fora o fato de nunca me acostumar
com os mesmos estranhos olhando indiscretamente para todos os passageiros
passando na roleta. Há aqueles discretos. Olham de relance. Ou nem te olham.
Passo pela roleta. Alívio. Sento no primeiro lugar vago que avisto e agora já posso me sentir invisível
de novo.
E cá estou eu vendo as árvores
passarem, pessoas com suas pressas e atrasos, o caminhão do vovô com galinhas
em plena EPTG e umas senhoras chatas ao meu lado. Curso de crochê de graça em
algum lugar? E o papinho sobre sexo? Elas querem que eu acredite na vida
sexualmente ativa de uma coroa divorciada? E se eu sorrir porque me lembrei da
lixeira queimando há um tempo perdido no tempo sou tida como estranha. Louca.
Não cheguem perto dela. Esta menina sorriu sozinha. Ninguém tem motivos para
sorrir em um ônibus lotado com meia dúzias de senhoras falando sobre
sexualidade e um cobrador suado as 7h da manhã dando em cima de uma mulher
casada (vi a aliança).
Vou deixar claro a minha
indignação, é dentro daquela lata de sardinha enorme que ensaio um discurso de
como a minha vida anda melhor sem você, sem suas loucuras, a frescura de nunca
assistir meu seriado favorito, trocar de canal e me obrigar a ver qualquer
porcaria que não seja da minha vontade, seus sumiços. O final alternativo para
Julieta e sua estupidez. Enquanto paro nos sinais mais chatos da minha cidade
gosto de dirigir curtas sobre um violinista e a multidão na estação de metrô.
Dos desencontros da vida. Descubro a solução para os impostos absurdos do nosso
país. E já perto de descer não posso deixar de imaginar o lançamento do meu
melhor livro. Quiçá único, de uma série de contos ou de muitos outros que ainda
estão por vir. Todas as histórias contadas por uma passageira de ônibus e sua
total falta de habilidade para esquecer um amor que nunca lhe pertenceu.
E quando eu desço meus longos insights seguem viagem
sem sua dona. E dão voltas e voltas pela cidade. Perco de vista. Já não são
meus.
Torna-se um tarefa complicada comentar seus textos, eu que sou de tantos clichês, tenho até receio de elogiar algo tão bonito com palavras piegas, tudo é tão lindo, a forma como minha cabeça automaticamente me faz sentar na cadeira do ônibus e imaginar tudo, as conversar, as personagens, é mesmo fantástico. :)
ResponderExcluirwww.eraoutravez.blogspot.com
Gostei desse teu canto,
ResponderExcluirda maneira do teu palavreado.
Bom demais ler esses escritos e poder imaginar.
Flores.