(imagem retirada da pagina Brasileiríssimos do facebook)
Eu não vou
pegar o retorno porque você preferiu passar quando o sinal estava amarelo, eu
te avisei, não sei quando, mas eu te avisei, guria, um dia eu iria estragar
tudo, você ia dizer que não quer me ver nunca mais e faria exatamente o que
está fazendo agora. Avançando no sinal amarelo. Correndo. Cantando pneu. Pouco
se importando com os pardais. Acho que com tanta fuga de si e dos outros,
espera sei lá, cair no Limbo pra não ter que sentir nada nunca mais. Sabe o que
é Limbo, criança?
Como se eu
pudesse te julgar, eu faria qualquer coisa pelo ópio. Não sei o que se passa na
tua cabecinha, mas a minha lateja sem solução. Como se eu já tivesse tentado de
tudo e de tudo parece que nada tenha tentado. Complexo, complexo, criança. Acho
que você não entenderia. Quem é que entende alguma coisa nesta vida?
Eu não quero
chegar à parte em que eu falo: 'como se você tivesse 15 anos' (porque você
tem.) Na maioria das vezes dizia isso na intenção de lhe aborrecer e pra você
conseguir enxergar além do que se vê. Suas atitudes tão ponderadas, teus
silêncios longos e pesados, seu abraço acolhedor, sua discrição como se você
fizesse parte da CIA e do FBI e ninguém pudesse saber nada além do fato que
você existe por ai. Teu mistério de menina é encantador. Poxa vida, meu Deus,
que garota da sua idade é assim?
É por essas e
outras que eu quis comprar tuas dores, embalar e a envia-las para o Limbo, mas
cadê você? Francamente, acho que me tornei uma de suas dores, então você deve
estar me enviando junto com as outras. Ou será que é você que está indo para o
Limbo e me deixando aqui com as tuas dores? Ou me deixou e foi com elas? Não
sei, juro que não sei. Complexo, criança.
E sabe por
que? Porque eu não tenho ópio para fumar, mastigar, nada. Eu só tenho alguns
cigarros amassados na bolsa e um monte de coisa na cabeça. Se eu fizer o que
amo, magoarei aqueles que me amam, se eu fizer o que aqueles que me amam querem,
não vou amar o que faço. Tanto 'que' nesta vida minha e você se parece só com
mais um por que dela agora.
Cá estou eu,
na minha mesa, com meu café do lado, alguns documentos para elaborar,
funcionalidades de algum sistema para avaliar, validar... Ah, o que estou
falando? Vocês não entendem nada disso, não é mesmo? Não sei se gosto do que
faço ou se amo a obrigação de ter que faze-lo. Porque é o que me mantem viva, a
elegância da obrigação está no que eu visto, naquilo que trabalho, mas esta
vida, esta rotina, nem sei se foi aquilo que escolhi pra mim, eu queria estar
vendendo algum livro de contos, queria apresentar algumas peças com a garota de
dreads e filmar aquela porra do curta do meu amigo que não sai nunca, mas,
criança, cá estou eu, de terninho, scarpam, aquelas coisas que gente adulta usa
e aquela velha maquiagem que adultera meus poucos anos. Sim, porque eu sou nova
demais pra tudo isso e velha demais pra ficar em casa reclamando do ócio.
De certa
forma eu queria estar aqui também. Não sei se já falei, mas eu ainda amo
parecer responsável, a peça de algum quebra-cabeça que forma algo muito maior
do que eu sou. Tá vendo, criança? Sou pura ironia, ou eu será que eu sou um
paradoxo mutante? De tanto não me entender, fiz algo sem explicação. Não tive a
intenção, eu juro. Não vou dizer que antes as minhas intenções eram as
melhores, porque delas o inferno está cheio. E não é pra lá que eu vou, eu
quero ir para o Limbo com você, se me deixar te acompanhar. Eu to cansada
daqui, de ter que provar coisas para todo tipo de gente, gente da familia, da
faculdade, do emprego, gente que não tem nada a ver com a minha vida, gente que
eu amo e que não é capaz de me amar de volta porque eu não sou feito um sonho
lindo. E quem neste mundo é feito um sonho?
Me parece que agora vivo no pesadelo, no peso de ser assim, isso que não
tem nome, eu sem nome assim. Mas se eu fugir de tudo, no fim vou fugir de você
também. Complexo, criança, complexo.
Agora eu to
olhando pela janela, o céu tá cinza, dias cinzas são bonitos, aquele cinza da
tua camiseta, aquela que eu te dei, do carinha do cd que você gravou pra mim.
Pra que você se fizesse mais presente poderia estar tocando muito além do sofá,
porque se estivesse, na parte da Caroline não seria a voz dela que eu estaria
escutando seria a sua como quando a gente cantava no telefone e eu descia 4
andares pra cantar pra você no celular no meio do estacionamento. E agora as
lembranças são como cachoeiras, porque você sabe, as lanchas são como carros,
esteban é como se fosse você em melodia e verso, e eu sou... Eu sou qualquer
coisa confusa. Complexo, criança.
Por não saber
ser outra coisa, sou eu mesma, e o meu eu feriu você, desculpa. Eu não queria
me misturar com eles, porque eles não são você. São todos iguais. Entende e
vê?
Sim, você
compreende, nadei contra a maré pra te encontrar na tua ilha, lembra? E agora eu
só sinto falta do seu porto. Da minha amiga. Do mistério que é você. É por isso
que você deveria voltar. Eu sei, criança, é complexo. Mas sabe como é, eu não
vou gostar nada nada de ficar sabendo por ai que você anda meio high & dry
porque alguém não soube desvendar teu silêncio, porque você precisa muito de
espaço e distancia segura. Eu não vou gostar se souber por ai. E voltando a
realidade, eu ainda to aqui, o céu se abriu enquanto escrevia pra você,
criança, que nunca vai ler, eu não rimei de propósito, desculpa por isso
também.
Sempre que leio algo seu me sinto sendo sugada para dentro da história como se fosse minha e até tento me perguntar, por que não senti isto antes? Por que não vivi isso por ai? Eu queria ter escrito estas palavras exatamente como estão, e isso me faz um bem enorme. Sua escrita me fascina, é realmente muito boa.
ResponderExcluirwww.eraoutravezamor.blogspot.com
poxa, mayra, obrigada.
ResponderExcluir