Você
prefere com ou sem picles? Disse.
-Oras,
sem. Suspirou olhando o cardápio da lanchonete, recostou sua cabeça
sobre o ombro ligeiramente menor que o seu e de súbito deixou que
sua mão escorregasse até os dedos da mão de quem a acompanhava.
Ela havia surpreendido com tal atitude, o que de momento fora o mais
próximo do que já estiveram antes. Ali, na fila da lanchonete.
Pensariam que fosse um casal em um destes encontros no shopping? Não,
não há nada para pensar. Era um gesto terno, nada mais.
Talvez
a pessoa que a estivesse acompanhando tivesse sentido um leve
incomodo e logo se livrou das mãos da moça e sacudiu um pouco os
ombros, e tentando fazer parecer que foi sem querer indicou uma mesa
próxima as escadas as quais davam acesso ao térreo.
-Aqui
ou lá em cima?
-O
que tem lá?
-Tem
a gente, o céu, uns guardinhas chatos e meu lugar favorito, ou será
que você se esqueceu de que me deve uma história a ser contada?
-Ah
sim, devo. Ainda constrangida pela interrupção do carinho,
recostou-se sob o balcão e pediu por ketchup, sorriu pra quem lhe
acompanhava e subiram.
Sentaram-se
em uma dessas muretinhas no térreo, seus olhos se encontram e logo
ela lhe sorriu e emudeceram-se. O silencio pairou, um daqueles
momentos indefinidos, entre a eternidade de alguns segundos e as
certezas que logo despencam sobre seus corpos jovens, no ardor da
idade.
-Você
tem os olhos mais meigos e gentis que já vi na vida.
Meio
sem jeito ela lhe sorri novamente, revira os olhos, sentiu o rosto
corar. Agradece o elogio, então, vira-se para bandeja e pega seu
sanduíche. Creio que o silencio pesou por alguns minutos enquanto
comiam e de algum modo não estava mais incomodada com a falta do que
lhe falar, podia jurar que sentia um acréscimo de estima por si ao
perceber que ainda era observada. Era um olhar terno, denso feito
cimento, e ainda sim, doce.
Afastou
logo a ideia de uma possível atração, oras, não havia de ser nada
além da amizade, talvez aquela pessoa estivesse esperando uma
explicação, a história que ela prometeu contar. Pacientemente era
observada com ternura, neste mundinho, o simples fato de alguém
dedicar-lhe alguns minutos a fazia parecer importante. Quem sabe até
compreendida. Compreensão era tudo que desejava.
-Então...
Ela juntou forças para começar a falar, mas logo parou. Sua mão
havia sido tocada e agora ela que se sentiu surpreendida.
-Não
entendo.
-Não
entende o que?
-Ué,
você aqui, esperando que eu lhe conte algo, você já não conhece a
história?
-Claro
que conheço, mas não posso saber por você? Sua visão?
Olhou
mais uma vez suas mãos juntas. Seu corpo enrijeceu-se. Só pode ser
incomodo por esse gesto, ora, ela não esperava que lhe fosse oferecido tanto carinho e atenção de alguém que até algumas
semanas atrás parecia não ser capaz de entendê-la. Era isso,
incomodo pela ação inesperada. Suspirou, e enquanto contava tudo,
olhava para o céu, azul, azul, limpo, o céu de Brasília. Quando
deu por si já estava com a cabeça em seu ombro, forçando para não
chorar.
E
agora? Pensou. Sentiu-se nua. Com a alma despida, uma vez que lhe
havia confessado tudo. Não entendeu o porquê, mas lá estavam.
Agora o jogo estava totalmente exposto.
-Agora
é sua vez. Recobrou-se do pesar que sentira ao confessar à aquela
pessoa, o que para si, era o maior de todos os sentimentos que já
foi capaz de sentir antes por alguém. O amor é igual um cento de
tijolo, pesado. Era assim que sentia o peito. Pesado. Duro. Não se
sentia capaz de suportar carrega-lo por mais tempo. E confessar o seu
lado da história, por mais infantil que aquilo parecia para ela,
dizer a alguém o que tinha dentro do peito, em busca de compreensão,
mesmo que lhe dissessem: vai passar, sabendo que não iria tão cedo,
talvez a ajudasse de alguma forma.
Minha
vez de que, guria?
Ela
agora, mais animada, livrou-se do ombro amigo, virou, fitaram-se de
frente. Cruzou as pernas, apertou os olhos e os lábios tentando
parecer séria, mas só a fez parecer mais meiga e gentil.
-É
a sua vez de contar alguma coisa, sobre aquela garota... Foi
interrompida abruptamente.
-Não
tenho nada pra contar, já contei tudo, ela é linda, e da última
vez que nos falamos seus olhos estavam em chamas de tanta fúria,
folhas em chamas. E não posso te contar algo que também não
compreendo, ela existe, está por ai. E...
-E
o que?
-E
eu não sinto algo assim desde que Pandora foi embora, foi amar
alguém e me deixou aqui, pra cuidar do que nunca tivemos.
Meio
surpresa, não soube o que dizer.
-Não
precisa falar nada, Pandora me deu alguém para o meu amor amar, já
passou. Meu problema é a garota com olhos de águas vindas de outros
oceanos.
-Ali,
do Skank.
Sorriram
e terminaram por cantar essa música até a hora de cada um pegar o
caminho de volta para casa, cada qual com seu amor perdido. Mas de
alguma maneira ninguém ali seria o mesmo com o outro, a cumplicidade
os uniu. Porque todo mundo é parecido quando sente dor. Acho que
ouvi essa frase em alguma música do Frejat.
E
já que eles não podem ter, ficam imaginando.
Ps:
Nos próximos dias trarei uma sequência de 12 narrativas embaladas
pelo CD do Esteban, eu sei que muita gente vai esperar que eu faça uma
fanfiction sobre a história dele com a Sophia, mas o que pretendo fazer
é falar sobre pessoas, encontros que de alguma maneira carregam
certas músicas como sua trilha sonora. Não quero falar de amor, uma
vez que nunca o vi falar sobre mim. E por se tratar de um epílogo não terá música.
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